terça-feira, 5 de abril de 2011

Júnior visita lugares estranhos

- Júnior está agora em um incêndio –


    Antes de se envolver pensou que poderia, caso chegasse a essa situação, se safar facilmente. Estava errado. Na cama não consegue pensar em nada melhor do que antes. E o que pensara antes não o ajuda.Se não fosse automático dir-se-ia que resolveu acender um baseado. E se já não fosse automático talvez pensasse melhor antes de fazê-lo. Assim, dischavou, bolou, pilou, acendeu, carburou e tragou forte.


- Junior está em uma tempestade de areia -


    A tranqüilidade que buscou não veio de imediato, á principio vieram as tosses, o pigarro forte e a angustia de antecedência, como um dia de trabalho duro á véspera de um feriado. Mas já sentia se esvair toda confusão e ansiedade anterior, sentia um vento pesado de areia que durou alguns 15 minutos. Agora não queria complexidade, queria tudo simples e amplificado. E conseguiu.


- Junior está na estação de trem do seu destino -


    Pronto, chegou onde queria, ouve canais de sons separados e organizados, seus olhos estão irritados e irrigados, e seu sorriso é solto e farto como se quisesse aproveitar tudo o que lhe resta antes de perder. E sendo assim, é bom que aproveite mesmo.
    Dessa forma, gostava de usar óculos escuros, mas dentro do apartamento não fazia sentido. Pegou os que Diane, certa vez, disse que ficavam legais com camiseta azul, mas usou a cinza. Dinheiro, identidade, seu toca-musicas, tênis, mas não as meias e uma bermuda xadrez. Colocou tudo em seus devidos lugares, desceu as escadas e teve a sorte (Júnior gostava bastante disso) de sentir o vento da rua na hora do refrão da musica. O sol chegava fraco, achou melhor assim. Caminhou até uma pequena pracinha, queria pensar melhor. No caminho sorria sozinho, é coerente já que também se divertia sozinho.


- Júnior está diante de um teatro lotado e seu companheiro de cena acaba de lhe dar uma deixa -


- E agora? - Perguntou-se.

    Pensava nas variáveis, era levado por uma música. Pensava nas opções era levado por outra. Não conseguia raciocinar, somente pensar lhe era oferecido.
    Talvez pensasse melhor agora antes de dischavar, bolar e tragar. Em todas as vezes que se esforçava para desenvolver um raciocínio lógico, era sugado por músicas. Eram canais bastante distintos, qualquer um lhe chamava a atenção, o que ele poderia fazer?

    Desligou a música! Irritou-se e se concentrou como se fosse resolver alguma coisa. Resolveu comer. O único raciocínio lógico que conseguia traçar era escolher, pedir, sentar, mastigar, engolir e pagar. E entre mastigar e engolir estava uma de suas melhores diversões, apreciar sabores e texturas.
    Comia sorrindo, não por fome, mas prazer. Gostava de como ficava o doce, gostava de não se enjoar com ele. Gostava de destruir coisas entre seus dentes, da textura crocante da alface, o picles, o gelo da bebida, o gergelim, a cebola. Era uma bela diversão, nada tinha a ver com fome. Tudo era apenas distração para o que realmente importava as 17:00 horas; convenceu-se com o único argumento que lhe tirava o peso da irresponsabilidade e lhe deixava espaço para pensar em alguma solução antes do desespero o envolver.


- Júnior está em um banquete com a platéia do teatro a céu aberto com mesas de forro branco cujas pontas se levantam quando sopra o vento e as faz dobrar por cima da mesa. A grama é verde -


    Já eram 16:33 não podia mais se dar ao luxo. Lembrou-se porque fez isso, lembrou-se que a tensão o estava matando. Queria um pouco de tranqüilidade e conseguiu distração. E afinal de contas resignou-se, talvez sua última diversão. Não se arrependeu.


- Júnior está agora jogando Xadrez, depois de transar com a mulher que ama -


    Ótimo, mas ele precisava de concentração. Respirou fundo, tratou de se sentir bem. Resolveu voltar para o apartamento e pensar em fazer algo que lhe fosse útil. Salvar sua vida por exemplo.
    Já conseguia desenvolver raciocínios, pensou nas variáveis e se concentrou nelas. Jogou água no rosto e não enxugou. Deixou seu toca-musicas na cama. Lembrou-se de ser avisado pelo vendedor do risco que corria ao comprar erva a prazo, de todas alternativas que tinha para conseguir a grana e que deram errado. Lembrou de toda a ajuda que pediu e lhe foi negada. De toda a ajuda que recusou. E finalmente da última frase dita a ele ao sair com 100 gramas: “Devedor reincidente não tem perdão Jr!”
    Junior agora tem 10 gramas, e sem devolução. Xeque-mate! Foi seu último raciocínio lógico antes de ouvir a campainha tocar.


- Júnior está caindo do avião sem Pára-quedas –

    Vai atender a porta sem respirar o cumprimenta da mesma forma e se esquece de oferecer algo pra beber quando se lembra disso também resolve que não se importa. Pensa que se estivesse com Diane, agora seria a hora do sexo. E afinal, se vê tranqüilo, como se não lhe oferecessem alternativa e se consola com final dessa onda como se já estivesse traçado pelo destino.
    Talvez já estivesse, e o que ele fez foi fumar um baseado para ser levado mais agradavelmente até o fim inevitável. De todo modo, essas respostas ele nunca teria e estava na hora de dar atenção a sua visita, que à essa altura perguntou:

- E ai?


- Júnior está em um labirinto e vê três portas, não sabe o que existe atrás delas, mas é obrigado a escolher uma -


- Não tenho a grana. – Disse.
- Sabia... Então, como vamos resolver isso?
- Você me mata rapidamente e vai embora se esconder da policia. Depois usa minha história de exemplo pros outros devedores.
- Tá fazendo piadinha é? Tá chapado?
- Tô! Minha despedida.
- Tô vendo que tá “rachado”. Então não tem como arrumar a grana?
- Cara, eu bem que tentei, mas parei por aí.

O vendedor tira a arma da jaqueta, pega o capacete da moto coloca no chão e diz:

- Sabe como vou resolver isso não é?



- Júnior esta nú no Alasca pisando em cacos de vidro -



- Merda, só entro em fria mesmo!
- Hã?
- Nada, olha sei que te devo muita grana. Mas se me matar agora não recebe nunca mais. Se me der um tempinho maior recebe toda a grana.
- Acho que não cara. Já conto com o seu prejuízo, é o preço que pago pra você servir de exemplo. Quando te dei a erva, já sabia que você ia ser meu próximo otário, nem te dei uma boa pra não queimar o estoque.
– O vendedor se levanta do sofá, Júnior continua sentado na cadeira da sala. O vendedor aponta a arma pra cabeça de Júnior.

E engatilha o revólver.


- Júnior, que ainda está no Alasca, acaba de engolir um copo de gelo -


Implora. “Calma cara, calma aí!” E implora mais. “Calma, calma posso dar um jeito, sou um bom cliente.”
- Eu to calmo você é que não está.
- Já sei! Calma! Te dou meu toca-musicas, vale mais que a dívida!


Nesse momento se faz necessário esclarecer as intenções de cada um:

    Júnior não iria dar o toca-musicas, era uma questão de honra ter um, sempre quis. Parece pouco morrer por isso, mas viver sem ele também não era interessante. Antes todo esse valor fosse pelo produto, mas o produto só simboliza uma grande vitória na sua vida pequena. É o problema de sonhos medíocres.
    O vendedor de qualquer forma iria matar Júnior e “limpar” o apartamento, mas pensou que era melhor Jr. lhe poupar o trabalho de procurar o toca-musicas. Também queria ver como era e saber o valor para revender depois.
    Júnior está no quarto, nunca se sentiu tão vivo. Procura uma solução nos filmes que assistiu mas acha ridículo pensar em filmes uma hora dessas. Pensa em Diane mas se recusa a desistir e se despedir dela. Pensa em soluções possíveis e lhe ocorre que o vendedor acaba de lhe deixar ir ao quarto sozinho. Lamenta não ter uma arma, pega o toca-musicas e pega seu dischavador em forma de bola 8, coloca o dischavador no bolso de traz, no caminho para a sala torce para que o vendedor seja um amadorzinho. Torce para que apareça alguma solução, torce muito.


- Junior está de novo no incêndio -


“Amador, amador, amador.” Sussurra, talvez se torne realidade.
- Tá aqui.
O vendedor, que não era tão amador assim, pega o toca-músicas com uma das mãos e aponta a arma com a outra.
- Hum, então é essa porra aqui que vai salvar tua vida?
- Eu espero! Mas não é porra não, produto bom e caro. – Quando disse isso já estava com as duas mãos nos bolsos de traz da bermuda.

    O vendedor pergunta como faz pra ligar. Júnior diz que “é só apertar aqui ó” e quando o vendedor olha pro toca-musicas Júnior tira a bola 8 e arremessa com toda força que pôde reservar. Mas sem mira alguma, isso ele deixou para a sorte.
    Percebe que atingiu o olho do vendedor. Se soubesse de suas intenções, perceberia a ironia e diria com um cigarro na boca, “Não estava de olho no meu apartamento, canalha!?” (Júnior gostava de filmes com frases de efeito).
    Mas não sabia e também não pensou no que fazer depois disso. Estava de sangue e pele quentes. Jogou-se como um animal desajeitado pra cima do vendedor. De alguma forma misteriosa conseguiu a posse do revolver. Não mirou (talvez já soubesse que não era tão necessário) e atirou. A bala atingiu o meio do tronco do vendedor e não saiu de lá. Ela o fez cair no sofá, tentou inspirar uma vez não conseguiu e morreu.


- Júnior está em seu apartamento e acaba de matar uma pessoa –


    Júnior pega as duas partes do dischavador sujo de sangue, recolhe seu toca-musicas no chão, dischava, bola, pila, liga o toca-musicas, acende, carbura, traga forte. Agora ele possuía muita erva, um corpo, um revólver e vizinhos. E afinal, não pensa muito nisso, só está ansioso pra dizer sua frase de efeito.

- Seu amadorzinho...

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